terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Do não-romantismo em Romeo and Juliet

Na tragédia Romeo and Juliet, provavelmente escrita em meados de 1590 e baseada no poema narrativo de Arthur Brookes, de 1562 (por sua vez, inspirado em novelas renascentistas italianas), embora se tematize uma história de amor, que Shakespeare celebrizou como uma das mais senão a mais popular e paradigmática do Ocidente (e do mundo), não há qualquer romantismo avant-la-lettre, no tratamento dessa temática, ao contrário do que a tradição exegética romântica européia postulou. Isso porque Romeu, diferentemente de personagens verdadeiramente românticos, como o Simão, do romance Amor de perdição, do português Camilo Castelo Branco, e o Tristão, do drama musical wagneriano Tristan und Isolde, não passa por qualquer transformação psicológica, quando se apaixona por Julieta. Aliás, antes de comentarmos esse aspecto diferenciador do amante shakespeariano, recordemo-nos de que ele, antes da filha dos Capuletos, amava Rosalina e pela indiferença afetiva desta sofria profunda e sinceramente, como vemos já na primeira aparição do personagem. Ora, o clichê do amor romântico, par excellence, é não ter antecedentes nem sucessores. E, retomando o que dizíamos, costuma ocorrer uma drástica mudança comportamental, de ordem mesmo existencial, com a instauração do amor (Simão de um arruaceiro passa a ser exemplo de correção moral; Tristão alheia-se do mundo e da vida, tomado pelos sentimentos por Isolda). Romeu não muda; o que muda é seu objeto amoroso e o fato de vir a ser amado. Sua dedicação, sua entrega amorosa tanto a Rosalina quanto a Julieta é a mesma. Assim, parece-nos, morreria tanto por uma quanto pela outra. Dois outros personagens, os mais importantes na peça, naturalmente depois dos protagonistas, podem nos ajudar a reforçar nosso argumento: Mercúcio e Frei Lourenço. O primeiro, com sua sabedoria que nem a do segundo supera (uma espécie de bobo, como o temos em King Lear) expressa uma visão muito realista e, principalmente, irônica do fenômeno e da retórica amorosa. O sofrimento de Romeu por Rosalina é uma fraqueza, um disparate, e disso caçoa, sem ainda saber que já o amigo ama Julieta:


Romeo! humours! madman! passion! lover!
Appear thou in the likeness of a sigh:
Speak but one rhyme, and I’ll be satisfied;
Cry but "Ay me!” pronounce but “love” and “dove.”
Speak to my gossip Venus one fair word,
One nick-name for her purblind son and heir
Young Adam Cupid, he that shot so trim
When King Cophetua loved the beggar-maid!

(SHAKESPEARE, William. Romeo and Juliet. New York, Dover: 1993. p.25)


Quando Romeu revela a Frei Lourenço sua nova amada, ele diz, de modo que a réplica do amante não chega a nos convencer:


Holy Saint Francis, what a change is here!
Is Rosaline, that thou didst love so dear,
So soon forsaken? young men's love then lies
Not truly in their hearts, but in their eyes.
Jesu, Maria, what a deal of brine
Hath wash'd thy sallow cheeks of Rosaline!

(SHAKESPEARE, William. Romeo and Juliet. New York, Dover: 1993. p.32)


O próprio personagem, logo após matar Tebaldo, será tomado pela consciência de sua condição, numa fala tão desesperada quanto comovente: "O, I am fortune's fool!". E Julieta? Por que ela se deixa levar pelo amor a Romeu, de modo tão arrebatado e, por fim, trágico? As primeiras palavras sobre ela, ditas por seu pai ao pretendente Páris (interessante paródia do amante de Helena), são esclarecedoras:


My child is yet a stranger in the world;
She hath not seen the change of fourteen years,
Let two more summers wither in their pride,
Ere we may think her ripe to be a bride.

(SHAKESPEARE, William. Romeo and Juliet. New York, Dover: 1993. p.9)


A extrema juventude de Julieta, sua inexperiência de vida, despreparo para o casamento é que a leva ao irrefreado amor por Romeu, nada menos distante da sensatez, do equilíbrio emocional, por vezes estoico, padrão ético dos clássicos, dentre os quais, ao fim e ao cabo, Shakespeare se enquadra.

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