sexta-feira, 19 de março de 2010

Sobre The comedy of errors

Barbara Heliodora, em sua introdução à edição da peça que ela mesma traduziu, informa que "A comédia dos erros é possivelmente a primeira peça de Shakespeare" e a "data da composição é incerta, com sugestões que variam de um extremo e improvável 1584 até 1592, e o primeiro registro de encenação é o do espetáculo realizado a 28 de dezembro de 1594, como parte dos festejos natalinos dos estudantes de Direito em Gray's Inn, em Londres". (HELIODORA in: SHAKESPEARE, 1999, p.5) Ainda segundo a eminente especialista brasileira na obra do Bardo, o autor, para compor sua comédia, aproveitou elementos de duas comédias de Plauto - Menaechmi e Amphiruo -, além de realizar importantes diálogos intertextuais com passagens bíblicas, a Epístola de São Paulo aos Efésios e os Atos dos Apóstolos - tudo isso, como aconteceria geralmente na gestão dramatúrgica do poeta elisabetano, resultando numa obra bem distinta e mais sofisticada do que os textos-fonte.

A ação transcorre em Éfeso, no período do Império Romano, e começa com a condenação do velho Egeu à morte ou ao pagamento de vultosa fiança, por desrespeitar a lei que proibia a presença de cidadãos de Siracusa naquela cidade - o que valia reciprocamente. O condenado, a pedido do duque de Éfeso, informa que não por sua própria vontade, mas pelo infortúnio é que viera parar ali. Havia muitos anos, num acidente naval e posteriores reveses, se separara de seus dois filhos gêmeos, um perfeitamente idêntico ao outro, acompanhados respectivamente por um dos dois gêmeos, também iguais entre si, que lhes serviam como escravos, além de ter se separado da esposa amada e perdido toda sua fortuna. Embora apiedado, o duque não suspende a pena; apenas lhe concede algumas horas de vida, para conseguir dinheiro e pagar sua fiança, do que Egeu é completamente desacreditado por si mesmo: "Vai, Egeu, sem amigo e sem guarida, / Apenas adiar o fim da vida". (SHAKESPEARE, 1999, p.23) Retirados de cena tais personagens, dá-se início à segunda intriga, que monopoliza a peça até o penúltimo ato, com as confusões decorridas da presença dos dois pares de gêmeos - dois senhores e seus dois escravos; estes e aqueles coincidentemente com o mesmo nome; dois de Siracusa e dois de Éfeso), de modo não apenas a confudir outros personagens, mas inclusive os próprios irmãos. Nessa malha de intrigas, Barbara Heliodora aponta para a constituição de "uma parábola a respeito da perda de identidade do indivíduo quando a família se esfacela e ele se desmembra dela; só com a recomposição do núcleo familiar e com a reconquista da consciência de sua verdadeira identidade, é que todos readquirem o equilíbrio dentro do grupo social, ao qual passam a relacionar-se de forma correta, ou seja, de forma mais adequada à harmonia do indivíduo e da comunidade a um só tempo". (HELIODORA in: SHAKESPEARE, 1999, p.7-8) Com efeito, do encontro das duas intrigas no desfecho da comédia, quando se revela a existência de dois pares de gêmeos, quando todos imaginavam haver apenas um par na cidade, e Egeu, prestes a ser condenado à morte, identifica naqueles seus dois filhos e seus respectivos escravos, além de descobrir também sua esposa, que se tornara abadessa, de tudo isso surge a solução recíproca: tanto a confusão de identidades acaba quanto Egeu obtém dinheiro do filho que habita Éfeso, para pagar a fiança - que, aliás, não lhe é mais cobrada pelo duque - o necessário final feliz de uma obra do gênero.

The comedy of errors é a peça mais breve de Shakespeare e, exceção a todas as demais escritas pelo dramaturgo, a única cuja trama respeitaria, em princípio, a unidade de tempo, estabelecida pelas interpretações latinas e francesas da Poética de Aristóteles. Na verdade, há aqui menos obediência a preceitos do que observação de uma verossimilhança e necessiadade dramáticas, uma vez que, nas palavras de Heliodora, "Shakespeare tinha uma noção bastante clara do tempo durante o qual seria possível ser mantido o engano entre os gêmeos sem que algum tipo de explicação se fizesse indispensável [...]". (HELIODORA in: SHAKESPEARE, 1999, p.11)


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: SHAKESPEARE, William. A comédia dos erros. 2a. ed. Rio de Janeiro: Lacerda, 1999.

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